A aplicação complementar do código de defesa do consumidor aos contratos de plano de saúde

A aplicação complementar do código de defesa do consumidor aos contratos de plano de saúde

A APLICAÇÃO COMPLEMENTAR DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS DE PLANO DE SÁUDE

 

Eyne Julia Guedes de Andrade

 

O Estado brasileiro possui um sistema de saúde gratuito e universal. No entanto, devido à alta demanda, falta de investimentos, corrupção, dentre outros motivos, o acesso à um sistema de saúde de qualidade se torna cada vez mais difícil, de modo que parte da população brasileira ingressa nos planos de assistência médica particular, em busca de uma melhor qualidade de prestação de serviços, bem como de forma mais rápida. Além disso, intentam pela segurança de que no momento em que precisarem, estarão amparados contratualmente pelo sistema privado. Dessa forma, diante das lacunas deixadas pela atuação do Poder Público, o contrato de assistência à saúde atua de forma complementar ao Sistema Único de Saúde, conforme disposto no artigo 199 da Constituição Federal.

É dever do Estado o fornecimento de serviços de saúde, de forma universal e gratuita, nos moldes do art. 196 da Constituição Federal. Ainda no art. 2º, da lei 8080/1990, que traz o seguinte: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.”

Em sede de promoção de saúde por meio da iniciativa privada, tem que o Código de Defesa do Consumidor é responsável pelas relações entre a iniciativa privada e os beneficiários de planos de saúde, uma vez que estes são fundamentalmente contratos de prestação de serviços, conforme art. 3º do CDC. Assim, segundo o artigo anteriormente mencionado, é fornecedor toda pessoa física ou jurídica, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviços.

Como serviços entende-se qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante, remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (Art. 3º, §2º, CDC).

Destarte, o fornecedor se obriga a arcar com os custos – se existirem – de assistência médica necessária à manutenção ou ao restabelecimento da saúde do consumidor, nos limites da cobertura contratual adquirida.

O serviço médico-assistencial prestado pelo sistema privado de saúde possui extrema relevância na sociedade, visto que para a proteção do princípio da dignidade da pessoa humana previsto no art. 1º, III, da Constituição Federal, é necessário estabelecer garantias mínimas de saúde ao indivíduo. Diante da ineficácia da prestação do serviço público de saúde a todos os membros da sociedade, cresce a cada ano o número de consumidores de planos de assistência privada.

Em razão do aumento das adesões de novos usuários aos planos privados de saúde, bem como frente ao grande poder econômico destas operadoras, a relação jurídica entabulada entre as partes está sujeita a abusividades e ilegalidades, principalmente em decorrência da massificação dos pactos por meio dos contratos de adesão. Assim, em muitas ocasiões surge no campo contratual o conflito de interesses entre o fornecedor desta espécie de serviço e o consumidor, os quais dever ser solvidos em observância das normas protetivas do consumidor, por intermédio de um diálogo harmônico e sistemático dessas.

Devido ao aumento significativo das demandas relacionadas à prestação de serviços de saúde, é cada vez mais necessária a aplicação do código de defesa do consumidor, como forma de proteção desta relação consumerista, em especial do beneficiário de plano de saúde, por ser a parte hipossuficiente da relação. Devido às características do contrato, este sujeita-se à incidência da Lei nº 9.656/1998 e do CDC, este último em caráter complementar. De forma que, havendo conflito entre as leis citadas, sempre prevalecerá aquela que for mais favorável ao consumidor, dada a relação de consumo existente entre as partes.

A Lei nº 9.656/1998 criou normas específicas para as operadoras de saúde, cujo objeto seja a atuação por meio de operação de planos de saúde. Anteriormente ao advento da referida lei, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) regulamentava em caráter exclusivo a atuação de planos de saúde privados. Tal Código foi promulgado com o fito de regulamentar os direitos dos consumidores frente aos fornecedores de produtos e serviços.

A Lei de Planos de Saúde é uma lei especial que estabelece regras exclusivas para os planos de saúde, o que não implica em conflito entre essa lei e o CDC, devido ao princípio da especialidade, de acordo com a doutrina Pátria, in verbis:

Pode-se afirmar que não há antinomia entre o Código de Defesa do Consumidor e a Lei 9656/1998. O CDC represente a ordem pública constitucional, não regulando contratos específicos, mas elaborando normas de condutas gerais e estabelecendo princípios a serem obedecidos em toda relação de consumo. É uma lei de função social, que goza de índole constitucional, pertencendo à categoria dos direitos humanos. Já a Lei n. 9656/1998 é especial, trazendo normas específicas referentes à relação de consumo existente entre fornecedores de serviços de saúde e consumidor. Dessa forma, são hierarquicamente diferentes, não possuindo a Lei 9656/1998, o poder de suprimir ou anular qualquer direito trazido ao consumidor pelo próprio CDC.

A realidade da sociedade atual demonstra uma concentração de capital, provocando um aumento gigante da produção e provocou o surgimento de relações contratuais em massa, dirigidas a um incontável número de pessoas. Não é diferente quanto ao mercado de planos de saúde. Assim, ao passo que aumenta a quantidade de contratos firmados, de pessoas assistidas pelas operadoras de saúde, e consequentemente, de demandas judiciais acerca dos contratos prestados, aumenta a necessidade de tutela dos direitos dos contratantes.

Assim, diante de demandas judiciais cada vez mais recorrentes, é possível perceber que o melhor caminho para lidar com a garantia do direito à saúde quando as operadoras não cumprem a sua obrigação de fazer é buscar dentre as tutelas específicas, a que mais se adeque ao problema enfrentado pelo usuário do plano de saúde, com objetivo de garantia de maior eficácia quanto ao direito constitucional de acesso à saúde.